Morta pelos pés
A
levavam aonde quer que quisesse, não
havia um desejo em seu coração o qual não conhecessem, e antes
mesmo que pudesse pedir, descobria que seus pés, magicamente,
já mostravam o caminho. Nas pontas dos dedos era acordada por gotas
de orvalho, línguas ásperas e pêlos macios a roçarem seus
calcanhares.
Encontrou
e despediu-se de muito amores, de lugares de sonho, mas
um dia percebeu
que já não desejava ser levada a lugar nenhum. A
idade não lhe trazia
mais mistérios ao
despertar,
não se perguntava onde acabaria desta vez, a
magia se fora, e
passou
a fantasiar sobre
o silêncio. Os
caminhos a seguir, eram muito poucos agora.
Numa
manhã, pela
primeira vez em anos, foi acordada pela grama morna em sua pele, seus
pés guiavam-na, abriu
os olhos para encontrar a paisagem de devaneios
que cresciam em si,
descobriu
que afinal ainda havia um último destino a
visitar,
sorriu.
Levaram-na
até
a
beira do lago, e como se pedissem
sua permissão iniciaram a lenta caminhada.
Um
passo, e
sentiu
os dedos mergulharem na água.
Mais
um,
brincou
com a lama do
rio
Três,
arrepiou-se com os peixes em suas pernas
Quatro,
sentiu-se
uma
criança ao ver o vestido tornar-se um grande balão,
quase
gargalhou
Mais
um passo, e seus cabelos eram cascatas à cima de seus olhos
Estando
completamente submersa, sentiu os
pés prenderam-se ao fundo e neste momento viu a luz do sol
fracionar-se em um arco-íris, as nuvens e o céu pareciam
segredar-lhe o infinito. O silêncio era mais alto do que sua
pulsação, podia senti-lo e
já
não trazia o escuro.
Sentiu
pela última vez o peso de seu corpo, deixou-se envolver pela
imensidão à sua volta, afundou ainda mais os dedos na areia, não
teve medo, estava
exatamente onde seu coração desejava, com
a eternidade a cima de seus olhos, que jamais se fechariam.
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