quarta-feira, 29 de abril de 2015

Capitão

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Capitão

"Eu morri! Eu lembro de estar morto! Eu senti isso!" Disse ele, em sua cama branca em um
ambiente asséptico. Branco como qualquer coisa. Com um gosto de bile na boca e a sensação de
estar usando um estomago vazio e doente.
Não havia ninguém mais no quarto, o silêncio era tão intenso que ele poderia muito bem escutar
seus próprios órgãos reclamarem. Levantou-se e sentiu em suas costas os plugs se soltarem de sua
coluna e uma dor fina como o bater de um nervo.
Estava nervoso, sabia que algo dera errado, suas mãos eram pra ser enrugadas e velhas pelos 500
anos de existência prolongadas pela tecnologia da nave. Morrera como um centenário e acordara
como um jovem.
Era esse outro truque da nave? De qualquer modo, tentando controlar uma crise de panico que
começava a se formar. Resolveu fazer a coisa mais sensata, pedir informação.
"Nautilus, responda, aqui é o capitão."
"Identificação invalida", era a mesma vós de sempre, doce e suave, de alguma mulher morta à
muito tempo.
"Nautilus, responda, aqui é o capitão." Repetiu, nervoso.
"Identificação invalida"
Ele não queria dizer isso, mas máquinas são cruéis. Como todo ser servil e neutro pode ser.
"Nautilus, responda, aqui é o capitão número 2"
"Bom dia capitão número 2, em que posso ajudar?"
"Gostaria de pedir para que meu login fosse modificado para apenas capitão, obrigado."
"Este login já está em uso, capitão 2"
"Mas ele está morto! Eu sou ele! Eu sou o capitão! Sua retardada!"
"Comando não identificado"
"Ajuda, palavras chaves: Mudança, login" Disse, passando a mão na testa.
"Tópico 1: Mudanças de login não estão acessíveis. O sistema está programado para manter o
registro de todos os usuários da nave.
Tópico 2: Em caso de esquecimento da palavra chave do login, basta solicitar ajuda utilizando o
comando:
Ajuda, palavras chaves: Identificação, Corpo"
Ótimo, pensou, isso significava que ele era outro, com as memórias de outro e nada de uma
existência anterior, talvez. Mas ele se lembrava que tinha lido que o processo de qualificação para
futuro capitão era lento, demorava anos, mas como não tinha memórias anteriores?
Teria sofrido uma limpeza?
"Nautilus, quem eu sou?"
"Comando não identificado"
"Ajuda, palavras chave: Identificação, corpo"
"O senhor é Capitão Numero 2"
Sentiu o frio na barriga, naquela barriga vazia, colocou as duas mãos no rosto.
"O que eu faço agora, Nautilus" Disse,em desamparo.
"Comando não identificado"
Olhou ao seu redor, havia apenas duas saliências que indicavam ser uma porta. À suas costas havia
uma lampada vermelha e a verde a sua frente indicava o caminho a seguir, obviamente.
Resolveu tentar abrir a passagem na parede com a luz vermelha.
A parede não se abriu.
"Ajuda, palavras chave: Identificação, porta, campo de visão, corpo."
"Passagem para corredor secundário nº 1989"
Lembrou-se que era uma das áreas da maternidade, onde as crianças sairiam da incubadora e
passariam tempo até atingir estrutura cerebral o suficientemente forte para suportar os softwares, as
bibliotecas e alguns updates.
Ao sair da cama se deu conta que sua estatura não dava mais que 1,66 de altura. Deveria ter em
média de uns treze anos.
Começou a rir de nervoso, tinha quinhentos anos de memória num corpo tão jovem. Não sabia o
que fazer com aquilo. Aquelas memórias lhe representavam alguma coisa? Era ele realmente digno
de se envolver com aquelas memórias? Era ele? Ele era alguma coisa?
Passou a mão na cabeça e reparou não haver pelo algum lá, sem cabelos. Isso seria defeito genético
ou algum efeito do processo que passou?
Era um corpo branco, numa sala branca com apenas duas cores de contraponto. Símbolos básicos,
fechado e aberto.
Voltou a rir, sabia que aquilo seria um resumo de sua existência.
Todos os demais passageiros da nave ou estavam mortos, escravizados ou entorpecidos pelos
prazeres que as maquinas ofereciam para a estada na nave. Gerações e gerações...
Ao menos teria algum tipo de memória. Seria ele então o mais próximo de uma pessoa? Tentava
não pensar no que ocorria com aquela massa de bilhões de pessoas escravizadas trabalhando na
maquinaria da Nautilus. Se lembrava daquela massa enorme de pessoas pobres que tinham sido
sorteadas para subir a nave. Os cartazes diziam coisas como crescimento profissional, novas
oportunidades… Chegando lá, a empresa na realidade tinha outros planos. Quando a maquinaria
começou a trabalhar, o que haviam criado foi um espetáculo infernal. Começaram a atirar nas
pessoas que estavam a trás, pois sabiam que os gritos das pessoas na frente seriam abafados e as
pessoas começaram a se empurrar como gado em direção a carnificina. Estavam sendo processadas
para que não fossem mais do que corpos para trabalhar. Perdendo suas vidas e autonomia para um
processo fabril, servindo de matéria prima pra fornalha quando velhos, realocados para funções
especificas e redesenhados para tais funções. Por anos podia se escutar o lamurio ululante daquelas
almas no inferno, até que as gerações posteriores cresciam acostumadas a aquela situação. Sem
memória, sem outra escolha senão a função ao qual haviam sidos direcionados.
Trabalhadores de fornalha, mão de obra para mover colossais partes não automotizadas, escravos
sexuais para a aquela entorpecida nobreza privilegiada, servos, limpadores de tuneis de ventilação,
tudo que fosse possível. Era barateamento de custo, disseram.
Com o mundo no fim quem iria se importar?
Se lembrou do casaco verde à sua espera, que ele mesmo colocou lá. Receberia os bens daquele que
herdou as memórias, lá estaria as fotos de sua mulher, que está ou estava perdida em alguma
daquelas imensas galerias. Será que ela o procurou? Aquela nave tinha o tamanho de dois planetas e
só ele tinha o acesso ao acervo da tripulação. Mas ela não tinha mais nome quando entrou na nave,
todos foram trocados por números de série. Realocados aleatoriamente em seus aposentos e nada
mais.
E seu antecessor, ou ele, no centro da nave, sorteado apenas para a função de mover o timão para a
rota certa. Não servia para mais nada, como um backup, tinha injetado em si toda a memória de um
planeta e as rotas para uma nova Terra, dentre tantas terras possíveis. E era o único que
compreendia a natureza do motor.
Chorou, começou a chorar. Não queria passar pelo sinal verde, temia aquele inferno, odiava aquele
inferno. A solidão, a inumanidade daquele ambiente asséptico.
Queria que aquela nave fosse destruída, queria que tudo aquilo queima-se em chamas.
Podia prever que no próximo comodo ele passaria pelo mesmo processo, sendo inserido nele todas
as informações de backup de uma história humana.
Sangraria como cristo na cruz, enquanto sua alma se contorceria com todos os pecados da
humanidade.
Ele só tinha de passar por aquela luz verde, deitar-se na cama para que os plugs em sua costa se
encaixassem com os do dispositivo e sentir aquela dor. Mas ele tinha medo, medo e asco em
contribuir com aquele inferno.
Ficou ali horas, parado, refletindo. Sob a angustia de prosseguir com aquele fardo.
"Ajuda, palavras chave: Identificação, corpo"
"O senhor é Capitão Numero 2"
"Ajuda, palavras chave: Identificação, corpo"
"O senhor é Capitão Numero 2"
Não sabia mais quantas centenas de vezes tinha repetido aquilo.
Percebeu que estava perdendo a razão. Resolveu tomar uma atitude, talvez. Pensou, talvez a morte
ali, talvez depois houvesse algum lugar.
"Ajuda, palavras chave: Identificação, corpo"
"O senhor é Capitão Numero 2"
"Ajuda, palavra chave: Localização"
"Sala nº 360 no setor Maternidade."
Talvez aquilo fosse um sonho.
"Ajuda, palavra chave: enfie esse sistema na porra do seu cu, sua desgraçada! Vá ao inferno você e
e esta nave! Eu quero que todos vocês morram! Morram por favor! Por favor morram!"
"Comando não identificado" Aquilo soou com um tom sádico, ou estava ficando louco.
"Nautilus, finalizar sessão." Disse, com frieza.
"Até mais, capitão dois."
Sistema cínico dos infernos, rosnou para si.
Percebeu que havia um lençol na cama. Olhou para a luz verde, se empurra-se a cama talvez
pudesse pendurar o lençol naquela lampada.
Conseguiu. Saltou.
Sentiu uma ironia de ver aquelas memórias passarem por ele.
Acordou.
"Eu morri! Eu lembro de estar morto!Eu tinha morrido, eu sei"
Não podia ser, tinha apenas sonhado? Aquilo era um dejavu?
"Nautilus, responda, aqui é o capitão 2."
"Identificação invalida."
"Nautilus, responda, aqui é o capitão 3."
"Bom dia capitão número 3, em que posso ajudar?"

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"Não, não eu, eu nunca perdi a razão." Era ele ou todos eles? Não sabia ao certo, mas nenhum deles
havia perdido a razão.
Era apenas um capitão, um dentre tantos que compartilhavam um fardo, como uma maldição ou
uma dádiva entre tantos amaldiçoados. Não tinha mais importância.
Era velho, mesmo para um Capitão, e a sua tatuagem representava uma significância extrema na
nave, de modo que mais ninguém da tripulação sequer se importava com ele.
Comeu um pedaço de alguma coisa que algum escravo tinha deixado em sua mesa e fitou em sua
mente os mapas incrustados fisicamente em seu cérebro.
Era só olhar as estrelas naquela redoma de vidro, no topo da nave, para girar de tempos em tempos
aquele incomensurável timão à sua frente.
Parecia ironia ou algum senso de humor por parte daqueles que projetaram ela; um navio que podia
muito bem velejar sob o comando de um piloto automático.
Mas havia uma outra razão, todas aquelas almas deixaram de existir faz muito tempo, como se
fossem apenas casulos de carne para um material genético. O próprio tempo e as próprias
circunstancias haviam se dado ao deleite de distorcer o que restou de sua antiga espécie..
"Quem sabe? Eu não… Nós nunca perdemos o controle." Era ele e seus ascendentes os únicos que
possuíam esse algo, alguma réstia.
Resolveu fazer sinal para que tocasse alguma música e um escravo fez ela tocar não sabia de onde.
Mas tocava. Tocava um blues indefinido de idade incomensurável.
Capitão, uma pessoa alta, sob um casaco verde com botões que imitavam madeira e um cabelo
grisalho comprido que parecia um emaranhado de teias sob uma folha. Sua testa era enrugada, mas
naquele momento estava mais do que nunca. Ele, mais uma vez, tentou realocar em sua mente
espessa aquela realidade que o envolvia.
A nave era um ambiente asséptico, de um branco clean e móveis ajeitados como se houvesse a
necessidade de economizar espaço naquele lugar. Uma piada devido as extensões imensuráveis
daquela nave, construída a parte da extinção de planetas inteiros, se estendia como uma nau na
largura do que seria dois planetas Marte. E sim, esta tinha a forma estilizada de um peixe.
Seu nome era Nautilus e era a nave suprema da espécie que a criou, uma nave com seu próprio
ecossistema, mais de 7 bilhões de escravos na maquinaria cresciam e morriam nas fornalhas sem
ver outra luz que não a do carbono queimando. Escravos que não se viam mais como da mesma
espécie, albinos e frágeis de olhos negros e narinas finas para filtrar a fumaça de onde viviam.
Muitos lobotomizados para o trabalho, sem a liberdade de pensar, sentir… Outros são e cientes para
sentir na carne e na alma o sofrimento infligido por aqueles ao quais serviam.
No coração da nave, havia a prisão do ser mais formidável desenvolvido neste universo, seu nome
era apenas Motor, mas ele era um moto perpétuo, como uma enorme massa senciente que agonizava
por toda a eternidade gerando energia para o Nautilus, alimentando-se de si mesma num eterno
movimento, de sua medula colossal saia a energia para movimentar aquela colossal criatura de ferro
que atormentava o universo conhecido.
Limpa e cuidada pelos escravos que podiam sair da maquinaria, nenhum humano livre suportaria
ver o horror que sustentava suas vidas. A única exceção era aquele homem de casaco verde,
decididamente a figura mais importante numa massa de 16 bilhões de cabeças, muitas delas
lobotomizadas consensualmente ou não.
Era ele o responsável pelo Timão que regia a Nautilus e era ele que decidia o destino dela. Poucos
eram os que se importavam com o rumo da nave, de seus destinos, enquanto eram embrenhados no
torpor de suas vidas estéreis, imersos no cotidiano.
Entre as ruas, quase desertas, aquela humanidade estava trancada em seus aposentos imersos nos
vícios de suas soberbas concepções da realidade.Por hora ouvia-se um gemido onde pouco permitia
conjecturar se pertencente ao sofrimento ou ao gozo. Servidos pelas maquinas ou pelos escravos
como motivos de tradição ou requinte, a sensação era de que aquela nave lenta e monstruosa
portava uma espécie caduca e já invalida, gasta pelo tempo e mais nada poderia sonhar ou criar.
Seres que cresciam e murchavam enfiados em torres escuras com janelas de brilho amarelados,
envolvidos em seus próprios jogos ou apenas numa busca repetitiva pelo prazer. Não mais se
relacionavam entre si, como nossa espécie faria, assim como em resultado não tinham memória, não
tinha piedade, não tinham sofrimento em suas vidas. Como miseráveis cegos se alimentando do que
as máquinas e/ou escravos faziam para atender os seus pedidos infantis.
Capitão tinha um asco por tudo aquilo, quando o seu antecessor deu fim a própria vida, ele foi
selecionado ao azar para ser treinado para esta função.
Um tubo entre tantos, um feto que ganhou numa loteria de bilhões de concorrentes, estocados.
Tinha 200 anos de idade dês que ele fora animado pela incubadora e a própria nave o havia guiado
dês de então para esta função. Era apenas uma criança de 7 anos quando fora exposto ao motor, ali
ele conheceria a razão de ser o motivo daquela nave existir.
Fora o único a ter acesso ao histórico dela e a sua forma, assim como as rotas aos possíveis planetas
habitáveis calculados á milênios por sua espécie.
Fora programado em seu cérebro todos os históricos de Capitões Ascendentes centenas de milhares
deles, memórias incontáveis que fez com que seus olhos, narinas e ouvidos sangrassem. Para
depois, com seu cérebro já reestruturado pelo processo, fora-lhe injetado todo o conhecimento de
sua espécie, todo o conhecimento preservado, fazendo a dor anterior soar como um leve carinho em
sua mente.
Fora por duzentos anos conscientes um ser vivo, mas injetado em sua medula as memórias de
milhões de anos de vidas.
Uma criança dominada por uma máquina que apenas fazia sua função, até o momento em que
deveria ser exposto ao motor, observar o horror que simbolizava a genialidade de sua espécie e se
conectar por um momento para compreender o funcionamento daquela horrenda maravilha.
Ainda sente os plugs em sua medula, ainda procura enquanto dorme os cabos e o conforto de se
sentir envolvido com algo mais. Como uma criança que chora sentido falta da mãe, sem ainda ter
consciência do que é ele e do que é mãe. O motor também sofria, e nisso se amavam.
Ele se uniu, ouviu os pensamentos dela. E enfim pode ser incrustado com as marcas
de seu posto em sua tez e tornara-se ciente de seu ostracismo.
Ganhara um casaco verde, que ali estava numa mesa a sua espera por 20 anos, dês do suicídio do
seu ascendente.
Observara a cúpula que o mostrava o universo, era uma sala ampla sob uma cúpula de um vidro
extremamente resistente e transparente, onde no centro havia um timão de dois metros de altura.
O mapa estava em sua cabeça, agora bastava para ele seguir o rumo. Eram ambos responsáveis pelo
rumo de sua espécie e a afinidade frente a todas aquelas almas entorpecidas.
O plano que ele escutou do lamento do motor era simples,tênue e suave como o canto de uma
baleia, como o blues que tocava por centena de milhares de vezes em sua sala. Sob o desespero do
vazio do universo e da indiferença de sua espécie torpe e estúpida, sob o horror gerado nas
maquinarias da nave, sob o insolência sobre as ordens do cosmo e um castigo sobre tudo que
mantém aquele sofrimento.
A realidade era cruel, esta era a memória mais física que adivinha de seu último ascendente, imerso
no sofrimento perene de uma dor de tempos infindáveis, de uma solidão incomensurável de um
carcere criado em laboratório, um motor apenas.
E embrenhado na dor de tantas almas Capitão esperava, havia guiado aquela nave por toda a sua
existência, com aquele casaco e as tatuagens que seus semelhantes desconheciam, seu número de
série que correspondia por cada vida injetada em seu cérebro denso.
O peso pela consciência da geração dos escravos, pela imprudência de sua espécie caduca, pela
estagnação e egoísmo de um uma espécie que se deixou reinar pelo escape e desespero. Se enfiando
em suas necessidades fisiológicas, entorpecidos para não suportar uma existência que fora o desejo
de seus ancestrais.
A fuga pela alienação e entorpecimento, o descaso pelo sofrimento e o egoísmo absoluto.
Guiados por um capitão que continha em sua mente toda a história conhecida de sua espécie, todos
os seus pecados, todas as suas culpas envoltas num desespero latente, criando novas formas de
sofrimento para aqueles que consideravam inferiores mas não passavam de filhos renegados. E o
motor… A consciência da dor suprema e o suplício eterno pela indiferença do Homem, ululando em
sua mente um canto como o choro de todos os anjos.
Anjos esquecidos como tudo o que fora antes esta humanidade.
E era ele, com as mãos segurando firmes o timão, que tinha o poder sobre todo o tudo que lhe fazia
parte.
E ele esperava, apenas um leve toque na direção e a história do universo mudaria.
Sim ele esperou, esperou por toda a sua existência, por todas e todas as suas existências, o
sentimento de redenção que esperava sentir, a leveza intensa de um incomensurável ato de perdão.
Um martírio como forma de expiar a culpa frente a todo aquele universo e principalmente, á aquele
único que compartilhou a sua dor. Aquele que cantava no silêncio por um tempo incomensurável,
sobre a dor de uma existência gerada por uma espécie indiferente ao sofrimento alheio.
Respirou calmo, se sentia bem e odiava aquele blues. Era ele aquele momento, senhor do destino de
sua espécie. Talvez fosse ele, em sua existência, o conjunto de tantas memórias.
Se sentiu o ápice, sobre o poder e o temor que vinha daquele pensamento. Mas ele tinha feito uma
promessa, á muito tempo a trás.
"Meu amigo, esta é para ti. Esta é para todos nós. Esta é para mim" Disse, inclinando o leme, para
que a colossal Nautilus se movesse em direção a estrela RMC 136a1. Agora era só esperar.

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