sábado, 9 de maio de 2015
TEXT-TERRO-AAA.DOC
Marcel acendeu um palheiro e colocou para tocar uma música aleatória no Foobar. Tinha de escrever alguma boa história, o pessoal da A.A.A. já tinha terminado os contos deles e estavam bons. "É fantástico como essa espécie consegue criar coisas novas, a partir de referenciais de seu cotidiano", um pouco afetado pela sua auto estima. Precisava de algo para um bom conto de terror, tinha lido todos os manuais e lido tudo quanto era esquisitice na internet. Mas as suas ideias não vinham tão boas, faltavam algo, algum tipo de naturalidade.
Resolveu fazer café, seguiu o processo de confecção da bebida como diz o verso da embalagem e acendeu o fogo com um certo prazer. "Café, falam que ajuda..." Resmungou para si.
Sentou no pc e ficou olhando para a tela preta do editor de texto, se perguntando porque raios alguém ia escolher azul pastel no preto para escrever no editor. Mas as luzes fracas o acalmavam, de qualquer modo, depois daquele processo começou a gostar de cores frias.
"Talvez alguma coisa envolvendo sequestro, ou quem sabe aquela história que o Marcel tinha escrito na comunidade, da menina que foi mantida trancada no armário até enlouquecer por inanição.." resmungou para si, gostava da ideia, até lhe dava um certo reconforto.
Mas aquela história não era dele, tinha lido em algum lugar, talvez modificasse algumas coisas.
"Não, melhor não, não é para isso que estou aqui, preciso criar, fazer algo diferente."
A inveja crescia de acordo com o fracasso nas várias horas gastas tentando escrever um texto. Isso o fazia coçar a barba de nervoso, era algo novo para ele, os pelos faciais e essa ansiedade é uma novidade em todo o seu tempo de vida. "Um fato singular no processo, de qualquer modo, não é em todo relevante...".
Olhou para o espelho, gostava daquelas expressões, a testa enrugada e as sobrancelhas que eram base central de suas alternativas de formas de expressão.
Talvez algo sobre um povo que estivesse preso no espelho, invejando a humanidade, esperando o
tempo certo para sair daquela prisão e assim se vingar da escravidão que era a imitação inversa em que estavam submetidos devido a uma maldição. Era isso, tinha uma idéia, resolveu colocar aquilo no pc e assim teria seu conto. "Se não fosse algo que eu não tivesse lido em um dos livros daquela estante!" Isso o incomodava, nada novo, nada real como se escrever algo fosse uma tarefa hercúlea.
Mas ao ver os outros, parecia tão fácil, tão automático como respirar, tanto que escolheu essa alternativa. Já tinha tentado a música e a escultura, sem sucesso, em outras condições.
Se sentia frustrado e isso o deixava colérico, não sabia lidar com a frustração. Se controlava para não dar com o pé no monitor, porém não seria algo que o Marcel faria, não condiz com a sua personalidade, deveria agir de acordo, aquilo não era ele mas tinha de agir conforme a música.
No relógio de ferro batido já dava meia noite e um dia havia sido desperdiçado, tinha visto a série Arquivo
X, pois no Netflix indicava que ele seguia com afinco esta série, se animou sobre a possibilidade de escrever sobre um irmão siamês que tentaria roubar a vida do irmão saudável, com um rancor estarrecido pelo fato de que aquele saudável o houvera roubado sua vitalidade e sua vida durante o processo de gestação. Sim, se vingaria, roubaria de novo as forças daquela pessoa desenvolvida e destruiria sua vida, enquanto o original observa desesperado no lugar que houvera sido a jaula de seu irmão siamês por tanto tempo, apenas um caroço, um parasita... Aquilo fazia seus olhos flamejarem, aquilo era poder e a ira e a inveja eram sentimentos que lhe alimentavam. Gostava daquilo. Estava se sentindo soberbo, por ter criado algo novo. Porém, o costume com uma sucessão de fracassos o fez colocar a idéia no Google para logo se sentir frustrado. Apesar de ter gosta da ideia de um horror numa cesta como um palhacinho numa caixinha de corda. Talvez, um dia, faria isso com alguém. "Malditos, como conseguiam? Como conseguiam?" Que tipo de natureza aquelas coisas tinham para criar algo assim? Como conseguiam contar histórias? Como?
Olhou para o armário e ao se direcionar a aquelas portas já estava vermelho e sua respiração emburrada era como de uma criança que não sabia brincar. Tinha de descontar em algo, mas não havia nada ali, nada vivo ali que garantisse alguma forma de saciar seu sadismo, talvez se contentar em infligir dor para que a dor assim deteriora-se a mente de algum infeliz, um infeliz que sabia criar...
Havia outros ali no grupo da A.A.A. que talvez ele poderia se vingar, como eles conseguiam escrever aquelas coisas?
A bile já estava quase na garganta quando escancarou a porta do armário, olhando com desprezo para aquela coisa de pele, tripas e ossos pendurada por um gancho enfiado na nuca.
O que aquele merdinha tinha que ele não tinha? Tinha-lhe roubado tudo, estava com tudo e não conseguia em nenhum ponto se aproximar de sua natureza.
"Como você consegue? Seu cadáver de tripas e sangue que vive sob o medo e o horror da morte? Não entendo! Não consigo nem imaginar como vocês tem controle e alma! Não passam de um bando de imundos que mijam e cagam e se chafurdam em meio ao que comem! Temem o desconhecido e tem calafrios quando a presença dele se instaura em suas mentes pífias! Quando assassino eu adoro. Sabe porque? Porque eu odeio! Eu destruo! Eu sou uma escala acima de sua especiezinha grotesca!"
Mas aquilo não o satisfez, estava gritando com algo que não responderia… Iria comer aquela sujeira, talvez ir brincar um pouco e quem sabe, tomar o lugar de outro.
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