terça-feira, 24 de março de 2015

Morto Pelos Pés

Morto Pelos Pés




- É DADA A LARGADA!! – Berra o locutor em seu microfone.
Aquela tarde reunia cerca de trezentas pessoas para assistir a competição do quartel. Constituía-se em ultrapassar obstáculos em uma arena, tendo barreiras de concreto, cordas para escalar e cercas de arame farpado.
Não era à toa que o Exército adorava aquele evento. Treinava seus soldados rasos ao mesmo tempo que proporcionava uma folga para a mente dos combatentes, acostumados com períodos de tensão.
Um dos destaques era Jimmy Pé-Rápido, rapaz magro e ágil, que ocupava o primeiro lugar naquele momento. Seu cabelo era raspado, mas ainda era visível a cor avermelhada. Muitos juravam que viam um rastro cor de fogo na altura de sua cabeça quando o mesmo usava de sua velocidade para vencer a prova.
Jimmy agarrou-se na corda de cânhamo amarrada em um pilar e em poucos segundos alcançou o lenço amarelo que estava preso no alto. O lenço deu a vitória para o garoto.
- EEEEEEEE É MAIS UMA VITÓRIA DO 4º PELOTÃÃO!! – disse o locutor, frenético e goticulando saliva ao berrar.
Os outros competidores xingaram baixinho por perder a prova, com exceção de dois outros, que estavam exaustos no chão, recuperando o fôlego.
O sargento Harris abraçou o soldado e comemorou junto, acenando para o público e recebendo parte das palmas pela vitória. Afinal ele era o treinador de Jimmy.
Harris conduziu seu atleta para uma tenda azul, cor padrão do 4º Pelotão.
- Jim, meu garoto! Essa é a terceira vitória consecutiva! – disse ele, com um braço em volta do pescoço do novato.
- Senhor, nada disso seria possível sem o seu treinamento. As horas gastas correndo na pista e melhorando meu fôlego. Sinto que poderia fazer toda a prova novamente sem me cansar!
- Isso é óbvio, meu rapaz. Você não é o primeiro talento que criei. Se lembra ano passado, daquele Kellerman?
- O grandalhão que levantou o jipe enquanto trocavam o pneu? Ele era muito forte.
- Ele mesmo. Muita força, zero de inteligência. Ainda estaria limpando banheiros se eu não encontrasse algo de útil naqueles braços de gorila.
- Mas ele não foi fuzilado mês passado?
- Como eu disse, inteligente como uma porta. Levantou o jipe e a saia da mulher do Coronel Richards. O próprio Coronel deu o primeiro tiro, no saco dele – Harris fechou os olhos e estremeceu – Mas vamos esquecer isto. Você tem a mim, está vivo e é um pouco menos estúpido.
Nesse momento entra um soldado dentro da tenda. Ele bate continência e se apresenta.
- Soldado William se apresentando, senhor!
- Fale logo e não me amole, recruta.
- Já tenho o resultado das apostas, senhor. Desta vez ganhamos em proporção de 5 para 1 contra o mulato do 3º Pelotão.
A atenção de Harris era toda do visitante. Só de fazer referência a dinheiro, os olhos de Harris brilhavam um pouco mais.
- E quanto lucramos exatamente? – disse com um sorriso bobo estampado no rosto.
- Próximo de três soldos, senhor.
- Maravilha! É para isso que eu treino vocês!
O soldado coloca um saco de pano em cima da mesa, de onde retira de dentro uma quantidade grande de notas.
Logo após é dispensado pelo sargento, que prefere contar os lucros sozinho.
O dinheiro foi separado em três maços. O acordo entre Harris e Jimmy sempre foi a décima parte dos lucros. O atleta, ansioso pelo seu pagamento, estica a mão para pegar um dos maços em cima da mesa. O oficial captou a cobiça do pupilo e se adianta, pegando o maço antes que Jimmy.
- Calma lá, jovem. Vamos contar direito sua parte. Temos que reajustar algumas coisa, Jim.
- Reajustar, senhor? Irei ganhar mais? – disse o soldado.
O sargento gargalha diante da pergunta.
- Essa é boa! – mais uma gargalhada, alta, vinda direto da barriga – Jim, meu garoto! Você me mata de rir. Mas que idéia! Ganhar mais! HAHAHA!!
- Então não irei ter um aumento?
- Mas óbvio que não! Iremos fazer deduções.
- Mas este não era o combinado, sargento.
- Ora, meu rapaz. O combinado era você receber por seus feitos. Portanto se você perder, não ganharia nada. Pelo contrário, deveria me pagar. Como eu poderia andar pelo Pátio Central ouvindo piadinhas sobre os meus atletas? Seria vergonhoso.
- Mas eu não perdi, senhor.
- Mas ficou perto de perder várias vezes nessa tarde. Naqueles obstáculos de concreto, por duas vezes, o garoto do 3º Pelotão estava melhor que você. Estivemos perto da derrota. Ouvi comentários sarcásticos sobre meu método de treinamento. Nada mais justo que descontar algo pelo vexame.
 O oficial retirou seis notas do pagamento de Jimmy.
- Em outro momento você tropeçou ao correr sobre os pneus. O General ficou roxo de tanto rir! – retirou mais quatro notas – Eu mesmo queria me esconder de vergonha. Ele comentou com o Major Stevenson que a qualidade dos treinadores era medida pela demonstração de seus atletas em campo. Entende, não é?
Harris estende o maço restante de notas, agora reduzido pela metade. Jimmy recebe seu pagamento a contragosto.
O soldado se levanta para ir embora, mas antes de sair deixa um aviso.
- Sargento, adoro o que faço. É minha diversão. Mas desta maneira não quero mais participar.
- Não seja tolo, rapaz. Você nasceu para isso.
- Não gostaria mais de participar com o senhor, na verdade. Amanhã falarei com a banca militar. Vou criar minha própria equipe e pretendo pagar meus atletas de uma maneira justa.
Ao terminar, saiu da tenda, deixando um Sargento berrando palavrões.
Ao cair da noite, Jimmy se dirigiu para o dormitório. Deitou-se na cama de cima, de um dos vários beliches paralelos do Exército. Pensou em quanto dinheiro poderia ganhar se fizesse tudo sozinho. Estava tão absorto em seus pensamentos que não notou quando quatro rapazes se aproximaram de sua cama. Com um golpe na cabeça, desmaiou.
Recuperou seus sentidos depois de algum tempo. Estava tonto e enjoado. Não conseguia falar por causa da meia suja que lhe foi enfiada na boca para abafar qualquer som emitido.
Olhou em volta e se viu na arena de competição. Estava amarrado no mesmo pilar que retirou o lenço amarelo, que lhe deu a vitória.
À sua frente estava o Sargento Harris, acompanhado dos quatro recrutas que lhe tiraram da cama. Eis que o mesmo diz:
- Jim, por que faz isso consigo mesmo? Achei que era um pouco mais esperto. Mas parece que me enganei. É mais um imbecil no quartel.
Os capangas de Harris amarraram os pés de Jimmy, colados um ao outro. O restante da corda foi amarrada no topo do pilar.
- Ainda se perguntando por que estamos aqui? Deixe que eu digo.
Jimmy é içado através da corda e fica pendurado de cabeça para baixo.
- Vou lhe dar o seu último treinamento, como pode ver. Sabe, Jim, tem pessoas aqui neste quartel que não entendem seu lugar na hierarquia. Acreditam que podem ser mais do que já são. Essas pessoas não entendem como funciona o mundo, que não é qualquer um que pode, simplesmente, fazer o que quiser. Existem regras, e elas foram criadas para serem cumpridas.
O sargento goticulava saliva enquanto falava. Jimmy, de ponta-cabeça, sentia a pressão na região da cabeça, em virtude da extrema concentração de sangue reunida naquele lugar.
A pressão era tanta que ele desmaiou.
Somente no outro dia seu corpo foi encontrado. Pendurado de cabeça para baixo, amarrado pelos pés, justamente no local que lhe conferira algum tipo de vitória na vida.



- Tobias

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