quinta-feira, 14 de maio de 2015

Passos

Sabe aquela sensação de que tem alguém te olhando e, quando você levanta os olhos, tem alguém realmente olhando para você? Eu cresci sentindo isso dentro de casa, mas nunca entendi o motivo. E era só dentro de casa. Dentro da minha casa. Uma vez comentei isso com minha mãe, mas ela apenas me sorriu de volta, como se dissesse “deixe de besteiras, meu amor”. Decidi não falar mais nada, antes que fosse mandado pra um manicômio.
Mas acho que deveria ter falado com mais alguém. Algumas coisas estranhas começaram a acontecer, e, o pior de tudo, a aparecer. Podia jurar que havia alguma coisa diferente onde morávamos. No início eram apenas barulhos, coisas normais de uma casa velha. Encanamento, ratos, gambás no sótão. Ou pelo menos era o que eu esperava que fosse. Depois foram os passos.
Essa “fase” durou mais tempo. Passos lentos, corridos, suaves, pesados. E não apenas durante a noite: por vezes estávamos almoçando e as tábuas do assoalho do andar de cima soavam como se houvesse alguém correndo por elas. Levantávamos os olhos de nossa comida, olhando para o teto como se procurássemos resposta. “Canos velhos...” resmungava meu pai, voltando ao seu prato. Conseguíamos conviver com os sons estranhos, sempre criando desculpas para o que quer que acontecesse.
As coisas começaram a piorar quando os passos tomaram forma. Lembro da primeira vez como se fosse hoje. Estava lendo em meu quarto, quando ouvi os passos novamente. Já estava acostumado, não dei atenção a eles. Mais uma vez, voltando pelo corredor logo à frente do meu quarto. Foi quando vi a sombra característica de alguém passando do outro lado da porta. Alguém estava andando naquele corredor. Mas eu estava sozinho em casa naquela tarde. Foi a primeira vez que aquilo fez meu coração saltar em meu peito. Levantei, sendo obrigado a terminar com minha curiosidade de uma vez. Abri a porta em um único movimento rápido, e coloquei minha cabeça para fora do quarto a tempo de ver o rastro de alguém correndo pela escada.
Lembro de ter revirado a casa com uma faca de cozinha na mão, sem encontrar absolutamente nada. Todas as fechaduras estavam trancadas, significando que, o que quer que estivesse dentro de casa, ainda estava lá. Parei de dormir naquele dia, e, cada vez que os passos soavam, suava frio.
Ainda não consigo dormir. Ainda moro na mesma casa. E tudo piorou quando minha namorada, agora ex-namorada, veio aqui na semana passada. Ela já tinha ouvido os passos, e, como de costume, aceitou nossas explicações sobre o encanamento. Estávamos sozinhos em casa, fazendo coisas que eu prefiro não comentar aqui. Ela pediu para usar o banheiro. Fiquei lá, sentado, pensando o quanto era sortudo de ter a casa toda para mim, quando ela voltou para o quarto, branca como um papel. Perguntei o que havia acontecido. Tremia violentamente, lágrimas corriam de seus olhos.

- Você.... você sabe que tem um homem no seu banheiro?

Não sei qual foi minha reação, mas acho que devo ter ficado igual a ela. Balancei a cabeça, negando.

- E ele não está feliz. Vocês fizeram algo... Não entendi o que ele disse. Mas ele vai vir. Vai vir atrás de vocês... Atrás de você, amor...

E tudo virou um borrão de lágrimas, minhas e dela. Precisei contar isso para alguém, mas minha última esperança foi este papel. Agora estou aqui, sem dormir desde então. Ouvindo passos do outro lado da porta.

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