Volta
Uma coisa engraçada sobre decisões: Quanto mais rápido você executá-las, mais fácil de não desistir. A velha teoria do band-aid sabe?
Caminhar
até o ponto de ônibus, e pensar na dezena de paradas que te separam do seu
objetivo pode ser muito desanimador. Se tivesse um carro, ele já estaria na
porta dela, pronto para começar a gaguejar alguma desculpa que deixa-se claro:
Acabou.
Mas
vocês sabem como são os ônibus, grandes responsáveis pela nossa filosofia
diária. Nada purifica tanto a mente quanto encarar o vazio das paisagens que já
não reparamos, tamanho o número de vezes que passamos por elas, esse tipo de
transe desperta divagações, lembra-nos do que há por vir além do ponto final, e
às vezes, apenas dormimos.
Ao
sentar-se à janela, dando ênfase ao lado dramático destas, procurou se
convencer de que tinha todos os motivos para fazer a coisa certa. Ela bem que
tentava, mas parecia que entre eles só crescia o silêncio. O problema é que não
conseguia se lembrar de nenhuma briga, nada que fosse concreto o suficiente
para dizer "Sabe aquilo, daquele dia? Foi a gota d'água!" Não havia,
ele pouco reclamava e ela tudo aceitava.
-Mas
que merda! - Exclamou, deixando a frase escapar mais alto do que imaginara.
Olhares de curiosidade se viraram para ele, tão rápido quanto vieram se
dissiparam, afinal, sempre tem o louco que fala sozinho.
Resmungava
um discurso para quando chegasse a hora, remendando frases e dando voltas
intermináveis, até que se distraiu com a rua pela qual passava. Viu a placa de
um bar levemente o escondida por um poste grosso. Fazia algum tempo tinham
apanhado a condução errada por ali, tão bêbados que estavam só riam
despreocupados do tempo. Aproveitaram o escuro para explorar novos lugares,
caminharam cinco quadras na madrugada, como se não existisse perigo no mundo.
Ela
tentava, é verdade...
O
passeio dos olhos se focou numa senhora que entrava "Consigo ver a
calcinha dela... Mas que bela visão." concentração não era bem o seu
forte. O próximo pensamento foi um vídeo do Buzzfeed que mostrava homens
provando calcinhas, que despertou a idéia "Como eu seria sem um
pintor?", que o fez pensar num documentário da Netflix, que o lembrou da
lista de filmes Cult que sempre ficava para depois, Feline era menos interessante
que um episódio repetido de Friends, riu-se de alguma piada feita por Phoebe,
que o levou a ela.
-Volta!
- Disse enquanto estapeava levemente o rosto para acordar da série de
pensamentos desconexos. Estava quase lá, dois pontos talvez, mas já não tinha
certeza do que iria fazer. Pensou na caminhada até aquela porta e se ela
estaria tendo um bom dia. Detestaria ser recebido com um sorriso, é muito mais
fácil terminar com quem já está de mau humor. O que seria mais egoísta da parte
dele?
Olhou
pela janela e viu a paisagem familiar ficar para trás, não conseguiu descer,
resolveu dar mais uma volta. Quem sabe outra dose, não lhe dava coragem?
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